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LIVRO DE MELQUISEDEQUE (II Parte)



A História de Salém
Capitulo I

Esta é a história de Salém segundo ouvi dos lábios de
Melquisedeque por ocasião da festa de Sukot, quinze dias
depois do livramento de Ló e suas filhas.
Tudo começou com um sonho no coração de um homem
chamado Adonias; Ele possuía de muitas riquezas, mas a
nada prezava mais que a justiça e a paz que nascem da
sabedoria e do amor.

Cansado com as injustiças que predominavam por toda a
terra de Canaã, Adonias resolveu edificar um reino que fosse
regido por leis de amor e de justiça. O nome da capital desse
reino seria Salém, a Cidade da Paz.
Os súditos de Salém não empunhariam arcos e flechas, mas
seriam treinados na arte musical; Cada habitante de Salém
teria sempre ao alcance de suas mãos um instrumento
musical, para expressar por meio dele a paz e a alegria
daquele novo reino. Juntos, formariam uma poderosa
orquestra na luta contra a desarmonia que nasce do orgulho
e do egoísmo.
O primeiro passo de Adonias para a concretização de seu
plano, foi elaborar as leis do novo reino, as quais ele as
escreveu em um pergaminho. Os súditos de Salém não
poderiam mentir, furtar, odiar, nem matar seus semelhantes.
O orgulho e o egoísmo eram apontados como causa de todo
o mal, portanto, não poderiam existir naquele lugar de paz..
As leis do pergaminho requeriam a prática da humildade, da
sinceridade, da amizade, e, acima de tudo, do amor que é a
maior de todas as virtudes.
Depois de registrar no pergaminho as leis que regeriam
aquele reino, Adonias passou a arquitetar Salém. Seria uma
cidade a princípio pequena, com habitações para mil e
duzentas pessoas. Como lugar de sua edificação, foi
escolhida uma região alta de Canaã, ao ocidente do Monte
das Oliveiras.
Em pouco tempo, a realização de Adonias começou a atrair
pessoas de todas as partes que, de perto e de longe, vinham
para conhecerem os palácios e as mansões que estavam
sendo edificados. Admirados ante a beleza daquela cidade
tão alva, os visitantes perguntavam sobre quem seriam os
seus moradores. Adonias mostrava-lhes o pergaminho,
dizendo que Salém destinava-se aos limpos de coração -
aqueles que estivessem dispostos a obedecerem suas leis.

A História de Salém
Capitulo II

A edificação da cidade foi finalmente concluída e Salém
revelou-se formosa como uma noiva adornada, à espera de
seu esposo.
Assentado em seu trono, Adonias examinava agora os
numerosos pretendentes a súditos que chegavam de todas
as partes. Aqueles que, prometendo fidelidade às leis, eram
aprovados, recebiam três dotes do rei: o direito à uma
mansão, vestes de linho fino e um instrumento musical no
qual deveriam praticar.
A cidade ficou finalmente repleta de moradores. Cheio de
alegria, Adonias convocou a todos para a festa de
inauguração de Salém, no decorrer da qual proclamou um
decreto que determinaria o futuro daquele reino, dizendo:
- A partir deste dia, que é o décimo do sétimo mês, seis anos
serão contados, nos quais todos os moradores serão
provados. Somente aqueles que permanecerem leais,
progredindo na prática das leis do pergaminho, serão
confirmados como herdeiros deste reino de paz. Aqueles que
forem enlaçados por culpas e transgressões, serão banidos
pelo juízo.
As palavras do rei levou a todos a um profundo exame de
coração, e alegraram-se com a certeza de que alcançariam
vitória sobre todo o orgulho e egoísmo, que são as raízes de
todos os males.
Adonias tinha um único filho a quem dera o nome de
Melquisedeque. A beleza, ternura e sabedoria desse filho
amado, haviam sido sua inspiração para a edificação
fundação de seu reino.
Melquisedeque tinha doze anos de idade, quando Salém foi
inaugurada. Era plano de Adonias coroá-lo rei sobre os
súditos aprovados, ao fim dos seis anos. Este plano, o
manteria em segredo até o momento devido.
O príncipe, com suas virtudes e simpatia, tornou-se logo
muito querido de todos em Salém. Ele tinha sempre nos
lábios um sorriso e uma palavra de carinho. Apreciava estar
junto aos súditos em seus lares, recitando-lhes as leis do
pergaminho em forma de lindas canções que vivia a compor.
Sua presença trazia ao ambiente uma atmosfera de felicidade
e paz. Esse amado príncipe possuía, de fato, todas as
virtudes necessárias para ser rei de uma Salém vitoriosa.
Adonias edificara uma mansão especial junto ao palácio, com
o propósito de ofertá-la ao súdito cuja vida expressasse mais
perfeitamente as leis do pergaminho. Diariamente ele
observava os moradores, procurando entre eles essa pessoa
a quem desejava honrar.
Passeava pelas alamedas de Salém, quando, por entre o
trinar de pássaros, Adonias ouviu uma voz semelhante a de
seu filho. Ao voltar-se para ver quem era, encontrou um belo
jovem que cantarolava uma canção. Ao contemplar em sua
face o brilho da sabedoria e da pureza, Adonias alegrou-se
por haver encontrado aquele a quem poderia honrar. Aquele
jovem, que era uma cópia fiel do príncipe, chamava-se
Samael.
Colocando-lhe um anel no dedo, o rei conduziu-o ao palácio,
onde, recebido por Melquisedeque que ofereceu-lhe muitos
presentes, entre os quais o direito de estar sempre ao seu
lado.
Adonias preparou um grande banquete em honra a Samael,
para o qual todos foram convidados. Ao contemplá-lo ao lado
do rei, os súditos o aclamaram com alegria, acreditando ser o
próprio príncipe.
Exaltavam com júbilo as virtudes daquele formoso jovem,
quando revelou-se Melquisedeque, posicionando-se com um
sorriso à direita de seu pai.
No banquete, Samael foi honrado por todos. Realmente ele
era digno de residir na mansão do monte, pois havia nele um
perfeito reflexo das virtudes que coroavam o amado príncipe.

A História de Salém
Capitulo III

Salém crescia em felicidade e paz.Com alegria, os súditos
reuniam-se a cada dia ao amanhecer para ouvirem, cantarem
e tocarem as sublimes composições de Melquisedeque, que
inspiravam atos de bondade e paz.
Entre as amizades nascidas e fortalecidas em virtude da
música harmoniosa, sobressaia aquela que unia o príncipe a
Samael. Desde que passara a residir na mansão do monte,
Samael tornara-se seu companheiro constante. Passavam
longas horas juntos, meditando sobre as leis do
pergaminho.Com admiração, o súdito honrado via o filho de
Adonias transformar aquelas leis em lindas canções. As
doces melodias nasciam dos seus lábios como o perfume de
uma flor.
Consciente da importância da música na preservação da
harmonia e paz em Salém, o príncipe, além do canto, passou
a dedicar-se à música instrumental, sendo o seu instrumento
preferido o alaúde. Era por meio desse instrumento que
conseguia expressar com maior perfeição a riqueza de seu
íntimo.
Dos seis anos de prova, cinco, finalmente, passaram.
Adonias, feliz por ver que até ali todos os habitantes de
Salém haviam permanecido leais aos princípios contidos no
pergaminho, convocou-os para um banquete, no qual faria
importantes revelações.
Tendo tomado seus lugares diante do trono, os súditos, com
alegria uniram as vozes entoando os cânticos da paz, sendo
regidos por Samael.
Depois de ouvi-los, o rei, emocionado, dirigiu-se a seu filho,
abraçando-o em meio aos aplausos da multidão agradecida.
Todos reconheciam que a paz e a alegria em Salém, eram
em grande medida devidas ao amor e dedicação do querido
príncipe, que era o autor daquelas doces canções.
Naquele momento de reconhecimento e gratidão, Adonias
revelou os seus planos mantidos até então em segredo.Com
voz pausada, disse-lhes:
- Súditos deste reino de paz, minh’alma está repleta de
alegria por contemplar nesse dia vossas faces mais radiantes
que outrora. Vossas vestes continuam alvas e puras, como
quando as recebestes de minhas mãos. A harmonia de
vossas vozes e instrumentos, hoje são maiores.
Tendo dito estas palavras, o rei acrescentou com solenidade:
-Um ano de prova ainda resta, ao fim do qual sereis
examinados. Permanecendo fiéis como até aqui, sereis
honrados confirmados como súditos deste reino de paz.
Contudo, se alguém for achado em falta, será banido, ainda
que este julgamento nos traga muita tristeza e sofrimento.
As palavras do rei levaram os súditos a uma profunda
reflexão. Todos, examinando-se, indagavam reverentes: -
Estaremos aprovados?!
Certos de que seriam vitoriosos, pois amavam Salém e suas
leis, uniram as vozes num cântico expressivo de fidelidade.
Ao terminarem o cântico, Adonias revelou-lhes seu grande
segredo:
- Aqueles que forem aprovados, herdando este reino de paz,
receberão como rei o meu filho , a quem darei o trono
glorificado dessa Salém vitoriosa.
A revelação do rei foi aclamada por todos com muito júbilo.
Adonias, contudo, ainda não lhes revelara todo o seu plano,
por isso pedindo-lhes silêncio, prosseguiu:
- O meu filho empunhará um cetro especial, no qual selarei
todo o direito de domínio seu cetro , simbolizando toda a
harmonia, será um alaúde.
Diante desta revelação que a todos sensibilizou, o príncipe
prostrando-se aos pés de seu pai, chorou motivado por muita
alegria. Enquanto isto, todos o aplaudiam com euforia,
ansiando ver o raiar desse dia em que a paz seria vitoriosa.
Adonias, chamando para junto de seu filho a Samael,
concluiu dizendo:
- No governo dessa Salém vitoriosa, tenho proposto fazer de
Samael o primeiro depois de Melquisedeque. A ele será
confiado o pergaminho das leis, devendo ser o guardião da
honra desse reino triunfante.

A História de Salém
Capitulo IV

Samael, ao conhecer os planos de Adonias quanto ao futuro
de Salém, encheu-se de euforia. Contemplava agora risonho
aquela cidade sem igual, imaginando seu futuro de glória.
Considerando as palavras do rei, de que ele seria o segundo
no reino, deixou ser dominado por um sentimento de
exaltação. Ele, que até ali, em obediência às leis do
pergaminho, vivera uma vida de humildade, começava a
orgulhar-se de sua posição. Em seu devaneio sentia-se junto
ao trono, tendo os súditos de Salém a seus pés, aclamando
com louvores sua grandeza. Samael, totalmente dominado
por esse sentimento, não dava por conta de que estava
sendo conduzido para um caminho perigoso. O orgulho que o
seduzira, estava gerando o egoísmo que logo se manifestaria
em cobiça.
Uma semana após a revelação de Adonias, os súditos
promoveram uma festa em homenagem a Melquisedeque, o
futuro rei de Salém. Vendo-o aclamado por tantos louvores,
Samael teve o coração tomado por um estranho sentimento
de inveja, fruto do orgulho e do egoísmo. Não podia suportar
o pensamento de ser deixado em segundo plano. Não era ele
tão formoso e sábio quanto o príncipe?! Era quase impossível
disfarçar tal sentimento de infelicidade.
Outrora, Samael encontrara indizível prazer nos momentos
em que, ao lado do príncipe, recitava as leis contidas no
pergaminho, que eram transformadas em lindas canções.
Agora, tais momentos tornaram-se desagradáveis, pois
aqueles princípios contrariavam os seus ideais. Decidiu,
contudo, não revelar seus sentimentos de revolta. Suportaria
o antiquado pergaminho até que, com sua autoridade,
pudesse bani-lo do novo reino que seria estabelecido. Não
seria ele o guardião daquelas leis? Essa "vitória" procuraria
alcançar mediante sua influência e sabedoria.
Julgando poder influenciar o filho de Adonias com seus
sonhos de grandeza, Samael aproximou-se dele com euforia,
e passou a falar-lhe das glórias do reino vindouro, onde os
dois, cobertos de honras, desfrutariam dos louvores de uma
Salém vitoriosa. Seriam eles os heróis do mais perfeito reino
estabelecido entre os homens.
As delirantes palavras do súdito honrado trouxeram
preocupação e tristeza ao coração do jovem príncipe, pois
não refletiam os ensinamentos de amor e humildade do
pergaminho.
Vendo o seu íntimo amigo em perigo, Melquisedeque, com
uma ternura jamais revelada, conduziu-o para junto do trono,
onde, tomando o pergaminho, passou a ler
compassadamente os seguintes parágrafos:
- O reino de Salém será firmado sobre a humildade ,pois esta
virtude é a base de toda verdadeira grandeza.
A humildade é fruto do amor, sendo contrária ao orgulho, que
pode manter uma criatura presa ao pó, fazendo-a contentarse
com suas limitações ,iludindo-a como se as mesmas
fossem de infinito valor.
A humildade consiste no esquecimento de si, e este, numa
vida de abnegado serviço pelos semelhantes.
Samael, esforçando-se para encobrir sua indignação ante a
leitura do pergaminho que para ele era ultrapassado, disse ao
príncipe, em tom de conselho amigo:
- Meu bom companheiro, reinaremos numa Salém vitoriosa,
que fulgurará muito acima deste pergaminho ,cujos princípios
foram cumpridos fielmente nesses anos de prova. A plena
liberdade não será a glória de Salém? Pois saiba que,
completa liberdade não coexistirá com estas leis, cujo
objetivo encerra-se ao fim dos cinco anos. Caberá a nós dois
coroarmos Salém com a honra de uma total liberdade, que
gerará uma felicidade sem fim. Tal liberdade é impossível
existir sob as limitações do pergaminho.
O filho do rei ficou muito abalado ante as palavras de seu
amigo, que evidenciavam loucura. Como libertá-lo desse
caminho de morte?!
Ninguém em Salém, além de Melquisedeque, conhecia a
triste condição de Samael. Com paciência, o príncipe
procurava conscientizá-lo do real valor do pergaminho, cujas
leis não podiam jamais ser alteradas, pois isto seria o fim de
toda a paz.
Os conselhos do príncipe despertaram finalmente o seu
coração. Meditando sobre suas palavras, conscientizou-se de
estar seguindo por um caminho enganoso.
Ao ver nos olhos daquele a quem tanto amava as lágrimas do
arrependimento, o filho de Adonias alegrou-se com sua vitória
sobre o orgulho e o egoísmo.
Os dias que seguiram-se à libertação, foram cheios de
realizações; O príncipe revelava-se ainda mais amigo,
disposto a dar tudo de si para que seu companheiro pudesse
prosseguir triunfante no caminho da humildade. Naqueles
dias de júbilo, foi dada a ele a honra de conhecer o cetro que
estava sendo moldado.
Num momento de descuido, Samael que voltara a desfrutar
paz de espírito, permitiu que seu coração novamente ficasse
possuído por um sentimento de grandeza, que fez
desencadear nova tormenta em sua alma. Esse sentimento
misto de orgulho e cobiça lhe sobreveio no momento em que
o príncipe mostrava-lhe o dourado alaúde, no qual estava
sendo impresso o selo de todo o domínio.

A História de Salém
Capitulo V

De sua mansão Samael contemplava Salém em seu
resplendor matinal. Vendo-a, qual noiva adornada à espera
de seu rei, cobiçou-a. Em seu delírio passou a formular
planos de conquista. Já podia sentir-se exaltado sobre o seu
trono, tendo nas mãos o cetro precioso. Todos aclamariam-no
como o libertador da opressão daquelas leis. Salém seria um
reino de completa liberdade e prazer. Dominado por esta
cobiça, passou a maquinar planos de conquista.
Samael decidiu agir sutilmente entre os súditos, levando-os a
ver no pergaminho um impecílio à real liberdade. Em sua
missão de engano, agiria com aparente bondade, revelando
interesse pelo crescimento da felicidade de todos.
Pondo em prática seus planos, passou a visitar os súditos em
suas mansões, falando-lhes das glórias do reino vindouro,
onde desfrutariam completa liberdade.
Grande era a sua influência em Salém. Todos admiravam sua
beleza e sabedoria, tendo-o como um perfeito apóstolo da
justiça e do amor. Ninguém podia imaginar que em meio
àquela atmosfera de júbilo e gratidão uma armadilha sutil
estava sendo colocada, nas garras da qual muitos poderiam
cair por descuido.
Em sua sedutora missão, Samael não falava contra o
pergaminho, aliás, louvava-o por haver exercido naqueles
seis anos prestes a findarem ,uma missão de prova. Em sua
lógica, contudo, procurava mostrar que, no reino vindouro,
quando todos estivessem aprovados, estariam acima
daquelas leis. Seus argumentos, aparentemente corretos,
preparavam-lhe o caminho para afirmar abertamente que, no
novo reino, a existência do pergaminho, seria um entrave à
concretização da verdadeira liberdade.
As sementes da rebelião lançadas por Samael não tardaram
a germinar no coração de muitos em Salém. Isto acontecia a
seis meses do Yom Kipur, quando o destino de todos seria
selado. Um terço dos habitantes ,seduzido pelo terrível
engano, exaltava-o agora, em completo desprezo às leis e ao
príncipe, a quem julgavam ultrapassados.
Adonias, que sofria ao ver o surgimento de toda essa
rebeldia, convocou os súditos para uma reunião de
emergência. Na face de todos podia-se ver as contrastantes
disposições.
Com voz compassiva, o rei passou a revelar-lhes, como
jamais fizera antes, a grande importância das leis registradas
no pergaminho, mostrando que elas eram a base de toda a
prosperidade e paz. Se tais leis fossem banidas, toda
felicidade e glória se extinguiriam, dando lugar ao caos.
Depois de mostrar a necessidade das leis, Melquisedeque,
movido por um forte desejo de salvar aqueles a quem tanto
amava, ergueu diante de todos o pergaminho e, com voz
cheia de bondade ofereceu-lhes o perdão e a oportunidade
de recomeçarem no caminho da paz. Suas palavras a todos
emocionou, ficando até mesmo Samael ficou a princípio
motivado, contudo, o orgulho impediu-lhe novo
arrependimento. Desta maneira, o súdito honrado, quando
ainda podia olhar arrependido para o pergaminho, endureceuse
em sua rebeldia, decidindo prosseguir até o fim. Esta
decisão, todavia, não a manifestaria prontamente, pois
idealizara um traiçoeiro plano.
Ao findar o encontro da oportunidade, Samael convocou seus
seguidores para uma reunião secreta, que foi realizada sob o
manto da noite, junto ao riacho de Cedrom que ficava fora
dos muros de Salém.
Após maldizer o pergaminho e a todos aqueles que o
defendiam, ,começou a falar-lhes de seus planos de vingança
e traição:
- Como vocês sabem, os seis anos da prova estão se
esgotando, restando, a partir de hoje, vinte e quatro semanas
para o dia da coroação. Se vocês quiserem ter-me como rei
em lugar de Melquisedeque, poderei roubar-lhe o cetro,
apoderando-me do reino.
Samael passou a explicar-lhes os lances da traição, dandolhes
as devidas orientações sobre a maneira de agirem a
partir daquela data:
- Precisamos manter uma aparência de fidelidade ao
pergaminho e ao príncipe até que chegue o momento de
agirmos. O golpe será dado na noite que antecede o dia da
coroação. À meia-noite, furtivamente nos ausentaremos de
Salém. Roubarei nessa noite o cetro e, juntos, fugiremos para
o profundo vale onde estão as cidades de Sodoma e
Gomorra. Ali nos armaremos, e marcharemos contra Salém,
subjugando nossos inimigos. Acabaremos então com o
pergaminho e com todos aqueles que se recusarem prestar
obediência ao nosso governo.

A História de Salém
Capitulo VI

Sobrevieram dias de aparente tranqüilidade e paz Samael,
fingindo fidelidade, estava sempre ao lado do príncipe,
demonstrando admiração pelas suas novas composições que
exaltavam as leis do pergaminho. Os seguidores de Samael,
da mesma maneira, uniam as vozes em louvores que
expressavam a grandeza dos princípios aos quais
repugnavam.
Melquisedeque, cheio de alegria por ver aproximar-se o dia
de sua coroação, ensaiava com os súditos os cânticos da
vitória, os quais compusera especialmente para aquela
ocasião.Com felicidade falava a todos sobre seus sonhos em
tornar Salém cada vez mais honrada por sua beleza e
harmonia.
Samael, em sua maldade velada, zombava do príncipe. Já
previa a dor que lhe traria o golpe da traição.
Naqueles dias de aparente paz, o súdito rebelde procurou
conhecer o lugar em que o cetro ficaria oculto até o dia da
coroação. O príncipe, sem nada desconfiar, revelou-lhe todo
o segredo: a sala, o cofre com seu enigma, o rico estojo e,
finalmente o tesouro. Contemplando-o o astuto Samael
animou-se ao ver estampado em seu bojo o selo do domínio;
Compreendeu que, aquele que o possuísse, teria nas mãos o
reino de Salém. Somente alguns dias, pensou, e teria sob seu
poder aquele instrumento precioso.
O sol declinou trazendo para Salém o dia que significaria
vitória ou derrota.
Pouco antes do anoitecer, Samael deixara o palácio onde
passara todo o dia ao lado do príncipe, ajudando-o nos
preparativos para a cerimônia da coroação. Dirigindo-se para
sua mansão, saudou as trevas com um sorriso maldoso.
Como ansiara por aquela noite!
Enquanto os fiéis, embalados pela emoção da feliz vitória ,
revisavam sob a luz de candeias os adornos de seus
instrumentos, de vestes e mansões, certificando-se que
seriam aprovados na manhã seguinte, Samael e seus
seguidores faziam seus últimos preparativos para desferirem
o golpe.
À meia-noite, seguindo as instruções de Samael, todos os
seus seguidores abandonaram silentemente suas mansões,
rumando-se ao profundo vale de Cedrom, onde esperariam
pelo seu novo rei.
Samael, por sua vez, dirigiu-se aos fundos do palácio, por
onde esperava entrar sem ser notado, indo ao encontro do
cetro. Evitando qualquer ruído, transpôs o portal, dirigindo-se
silentemente à sala que guardava o precioso cetro.
Naquele momento, o príncipe que, insone rolava em seu leito,
pressentindo algum perigo, dirigiu-se ao quarto de seu pai e o
despertou dizendo:
- Meu pai, ouvi ruídos de passos no interior do palácio.
Afagando a cabeça de seu filho, Adonias, sonolento
respondeu-lhe:
- Filho, não se preocupe. Deite-se comigo e durma
tranqüilamente. Daqui a pouco raiará o alvorecer e você terá
nas mãos o alaúde dourado.
O príncipe, tranqüilizado pelas palavras confiantes de seu pai,
entregou-se a um sono de lindos sonhos em que vivia ao lado
de Samael e de todos os súditos de Salém, os momentos
festivos da coroação. Enquanto isso, o rebelde com as mãos
trêmulas, apossava-se do cetro. Naquele momento, teve a
idéia de levar somente o alaúde, deixando o estojo em seu
devido lugar.Com um sorriso cheio de maldade, imaginou o
momento em que o rei entregaria ao seu filho aquele estojo
vazio.
Levando consigo o cetro, Samael dirigiu-se apressadamente
ao lugar em que seus seguidores o aguardavam. Ao
encontrá-los, deu vazão a todo o seu orgulho proclamando:
- Agora eu sou o rei de Salém. Quem possui um cetro como o
meu? Com ele domino a terra e o mar.A minha força está nas
trevas , pois através dela o conquistei.
Festejando a vitória, a turba ruidosa afastou-se para distante
de Salém, seguindo rumo às cidades corrompidas da
planície, onde pretendiam armarem-se para a conquista de
seu reino.
O sol surgiu no horizonte, trazendo a luz do dia da expiação
(Yom Kipur)..Despertando de seu sono de lindos sonhos, o
príncipe apronta-se para a cerimônia do juízo e da coroação.
Vestes especiais de linho fino, adornadas com fios de ouro e
pedras preciosas, foram-lhe preparadas. Depois de vestir-se,
Melquisedeque encaminhou-se para o encontro de seus
súditos, na extremidade sul de Salém. Dali os conduziria
numa marcha festiva rumo ao palácio situado ao norte, sobre
o monte Sião.
Adonias, fazendo soar um longo chifre, convocou a todos
para a reunião do julgamento. Deixando suas mansões, todos
os remanescentes dirigiram-se para a praça do portão sul,
levando consigo seus instrumentos musicais.
Ao encontrar-se com aqueles fiéis, Melquisedeque ficou
surpreso pela ausência de muitos. Esse mistério doía-lhe na
alma, pois lhe ocultava-lhe a face mais querida de seu amigo
Samael.
Deixando seus seguidores reunidos, o príncipe saiu à procura
dos ausentes. Em sua busca infrutífera, dirigiu-se finalmente
à mansão do monte, onde chamou por Samael; Sua voz,
contudo, não trouxe nenhuma resposta além de um eco
vazio, que traduzia ingratidão.
Lendo no triste vazio a traição, sentiu vontade de chorar. Num
só momento veio-lhe à mente todo o passado daquele a
quem buscara com tanta dedicação conservá-lo em sua
glória, através de conselhos sábios. Recordou daqueles dias
que seguiram à sua recuperação; Como se alegrara com a
certeza de que seu amigo não mais voltaria a cair! Levando-o
a pressentir a tragédia, veio-lhe a lembrança as indagações
de Samael sobre o alaúde, o qual mostrou-lhe num gesto de
amizade. A memória deste fato, somada aos passos ouvidos
no interior do palácio naquela noite, deu-lhe a certeza que
Salém corria perigo. Não suportando essa possibilidade de
traição, prostrou-se em pranto, ferido pela terrível ingratidão
daquele a quem dedicara tanto amor.
Curvado pela dor, permaneceu por algum tempo procurando
encontrar algum consolo. Enxugou finalmente as lágrimas,
decidido a fazer qualquer sacrifício a fim de devolver a Salém
sua glória e poder, redimindo-lhe o cetro das mãos da
rebeldia.
Consolado pela certeza da vitória, Melquisedeque retornou
para junto dos súditos fiéis. Ocultando-lhes seu sofrimento,
bem como o motivo da ausência de tantos, o príncipe guiouos
em marcha triunfal rumo ao palácio.

A História de Salém
Capitulo VII

Ao aproximarem-se do monte Sião, galgaram os alvíssimos
degraus da escadaria, sendo seguidos pela multidão
exultante. Doía-lhe na alma a expectativa de ver morrer nos
lábios dos fiéis, naquela manhã, o seu alegre canto, devido o
golpe da traição.
Encontravam-se agora no interior do palácio, diante do
magnífico trono que esperava pelo jovem rei. Na base do
trono, jazia aberto, em meio a um arranjo de flores, o
pergaminho das leis. Junto dele podia-se ver a linda coroa,
feita de ouro e pedras preciosas, bem como o estojo daquele
cetro que simbolizava toda a harmonia de Salém.
Os súditos estavam felizes, pois sabiam que seriam achados
dignos de herdar aquele reino de paz. Aguardavam agora o
momento da coroação, quando o seu novo rei os regeria de
seu trono com seu cetro precioso, num cântico triunfal.
Em meio aos aplausos das hostes vitoriosas, Melquisedeque
dirigiu-se a seu pai, que o recebeu com um carinhoso abraço.
O momento era deveras solene. As hostes silenciaram-se na
expectativa da coroação. O estojo seria aberto e, todos
testemunhariam a exaltação do querido príncipe.
Com o coração pulsando forte pela alegria, Adonias curvouse
sobre o estojo, abrindo-o cuidadosamente; Ao encontrá-lo
vazio, a alegria de seu semblante deu lugar à uma expressão
de indizível preocupação e tristeza, pois naquele cetro selara
o destino daquele reino de paz.
Ao ver seu pai e todos os súditos aflitos pela ausência do
cetro e de tantos amigos que deveriam estar com eles
naquele momento, Melquisedeque consolou-os com a
promessa de que buscaria o cetro. Inconscientes dos riscos e
perigos que aguardavam o príncipe em seu caminho, os
súditos despediram-se dele, vendo-o partir apressadamente.
O alvorecer daquele dia que seria o da coroação, alcançou os
rebeldes distantes de Salém, a caminho das cidades da
planície. Naquele manhã, Samael encheu-se de fúria ao ver
que o precioso alaúde estava adornado com inscrições das
leis contidas no pergaminho. Tomando uma pedra pontuda,
passou a danificar o cetro, raspando-lhe todas as palavras de
amor e justiça. Suas harmoniosas cordas estavam agora
desafinadas sobre o seu bojo ferido, mas continuava sendo
precioso, pois sobre ele jazia selado o domínio de Salém.
Possuí-lo, significava ser dono de todo o poder.
Ao chegarem à altura em que o caminho bifurcava-se,
Samael ordenou a seus seguidores que prosseguissem rumo
a Gomorra, enquanto ele iria até Sodoma, onde permaneceria
por dois dias, juntando-se depois a eles.
Esperou pela noite para entrar em Sodoma. Quando ali
entrou, caminhou pelas ruas estreitas sem ser notado, até
encontrar uma casa isolada sobre uma elevação. Fazendo do
cetro sua arma, invadiu a casa matando seus moradores,
enquanto dormiam. Apossou-se dessa maneira daquela
residência onde, solitário, maquinaria seus planos para a
tomada de Salém.
O entardecer daquele dia que seria o da coroação, alcançou
o filho de Adonias a caminhar pelo pedregoso caminho rumo
ao vale. Seus olhos carregados de tristeza e anseio voltam-se
para o solo, em busca dos rastros dos rebeldes. A lembrança
da ingratidão daqueles a quem tanto amava, o fez chorar.
Suas lágrimas, refletindo os últimos lampejos daquele sol
poente, assemelham-se a gotas de sangue jorrando de um
coração ferido. Ele chorava não por causa dos perigos que
lhe sobreviriam naquela fria noite, mas pela infeliz sorte
daqueles que haviam trocado a paz de Salém pela violência
daquelas cidades da planície.
O seu único consolo era a lembrança daqueles que, apesar
de todas as tentações, haviam permanecido fiéis. A eles
prometera devolver o cetro, e isto o faria apesar de qualquer
sacrifício.
Depois de uma longa noite de insônia em que o príncipe ficou
recostado ao lado do caminho, raiou a luz de um dia que
seria decisivo.
Ao aproximar-se de Sodoma naquela manhã, o pensamento
de estar tão próximo do cetro de sua amada Salém, fez com
que se esquecesse de toda a fadiga, abreviando seus passos
rumo ao desafio.
Ao abeirar-se do grande portão da cidade, ficou tomado por
um temor, ao ouvir ruídos espantosos de desarmonia, que
traduziam o orgulho, o egoísmo e a cobiça que ali dominavam
todos os corações, fazendo-os explodir na orgia de uma
maldade sem fim.
Seria um grande risco expor-se à violência gratuita daquela
cidade. Esse pensamento o fez deter-se a um passo do
portal, onde estremecido curvou a fronte em indizível luta
íntima. Era tentado a recuar, mas lutava com todas as forças
de sua alma contra esse pensamento de fracasso.
Pensando na triste sorte de Salém, cujo domínio estava
sendo pisado no interior daquela cruel Sodoma,
Melquisedeque tomou uma firme decisão: como um
destemido guerreiro haveria de avançar, e, mesmo que
tivesse de enfrentar o acúmulo de todos os perigos,
prosseguiria, até erguer em suas mãos vitoriosas o cetro
amado.
Resoluto e esperançoso, transpôs o portão de Sodoma,
mergulhando naquele mundo estranho. Tudo ali era o oposto
de Salém, começando pelas pedras ásperas e sujas de suas
construções. Sodoma era um reino de trevas.
A presença contrastante do príncipe foi logo notada por
muitos que, em tumulto o acercaram. A pureza de caráter
expressa em sua meiga face e o esplendor de suas vestes,
encheram-nos de espanto, e recuaram como que vencidos
por uma força invisível. Dominados pela fúria , passaram a
perseguí-lo à distância, decididos a fazê-lo recuar. Jogavamlhe
pedras e lama tentando macular-lhe as vestes, mas não o
atingiam, enquanto ele avançava em sua ansiosa busca.
Desistiram finalmente de perseguí-lo, ao entardecer.

A História de Salém
Capitulo VIII

O filho de Adonias percorrera todas as ruas e becos à
procura do precioso cetro, mas em vão. Ao ver tombar no
horizonte o sol, anunciando a chegada de mais uma escura e
fria noite, seu coração ficou opresso por uma grande agonia.
Ali, naquele último beco, quase que vencido pela exaustão e
pelo desespero, inclinou a fronte, desfazendo-se em pranto.
Seus lábios, pronunciaram em meio aos soluços as seguintes
palavras:
- Salém, Salém, você não pode perecer! O seu cetro precisa
ser redimido das garras da rebeldia! Mas quando e onde vou
encontrá-lo?! Já não restam forças em mim, e a esperança de
redimi-lo antes da noite me abandona!
O príncipe, em sua suprema angústia, não percebia que outro
gemido de dor, procedente de cordas arrebentadas de um
alaúde humilhado, fazia-se ouvir naquele entardecer.
Subtamente, o fraco gemido penetrou seus ouvidos,
reanimando-o com a certeza de que o grande momento da
redenção havia chegado. Enxugando as lágrimas, reuniu as
últimas forças correndo em direção à uma pequena casa
situada sobre um monte, de onde parecia vir o som.
Ao dirigir-se à porta entreaberta, deteve-se ao contemplar
uma cena chocante, de humilhante escravidão: Samael,
envolvido por um manto sujo, castigava o cetro de Salém.
Tanto o rapaz quanto o cetro achavam-se tão desfigurados,
que não restavam neles quase que nenhum traço da glória
perdida. Aquele cetro, contudo, mesmo arrasado como
estava, era muito precioso, pois nele jazia o selo do domínio
de Salém.
A contemplação daquele que fora seu maior amigo e daquele
cetro idealizado como símbolo de toda a harmonia, em tão
trágica condição, comoveu profundamente o príncipe,
fazendo-o chorar em alta voz. Somente então o súdito
rebelde percebeu sua presença indesejada. Estremecido,
levantou-se, e, cheio de ira perguntou-lhe:
- O que o trouxe a Sodoma?
Apontando para o cetro danificado, Melquisedeque exclamou:
- A glória de Salém está destruída!!!
Com uma gargalhada, Samael zombou de sua tristeza
,dizendo:
- Agora eu sou o rei de Salém. Vocês que são fiéis ao
pergaminho, tornar-se-ão meus escravos.
Sem se importar com as palavras de afronta de Samael, o
príncipe, movido por uma infinita angústia, lhe disse:
- Samael, Salém está ferida por sua traição. Por que você
trocou o seu lar de justiça e amor por esse vale de injustiça,
ódio e morte?! Agora, se não deseja retornar à Salém
arrependido, devolva-lhe o cetro. Foi para redimi-lo que, a
despeito de todos os perigos, desci a esse vale hostil.
Conhecendo o propósito do príncipe, o rebelde encheu-se de
raiva e cerrando os punhos disse-lhe :
- Eu o odeio Melquisedeque!
Tendo dito isto, arremessou o cetro ao chão, e pisando-o
acrescentou:
- Tenho vontade de fazer o mesmo com você.
Diante dessa afronta, o príncipe não sentiu nenhum temor,
mas compaixão. Transportando-se ao feliz passado,
lembrava-se dos momentos felizes em que tinha sempre ao
seu lado a Samael; Ele era um jovem puro e humilde de
coração; Por que permitira ser escravizado pela ilusão do
orgulho e do egoísmo?! Quão doloroso era ver aquele jovem
que, por sua beleza e simpatia, havia sido honrado acima de
todos os súditos, agora arruinado pela cobiça! Não fora o
sonho do príncipe ter junto ao seu trono glorificado, aquele
que lhe era o mais precioso amigo?! Essa tragédia feria-lhe a
alma. Contudo, a triste condição do cetro o atingia ainda
mais, pois ele fora feito como o símbolo de toda a harmonia
,e estava sendo desfeito sob os pés da ingratidão.
Surpreso por não ver nos olhos de Melquisedeque nenhuma
expressão de temor, porém de piedade, Samael sentiu-se
frustrado em suas afrontas que visam amedrontá-lo, levandoo
desistir de sua missão.
Diante da postura digna do príncipe, que em silente dor o
contemplava, sentiu-se envergonhado. Essa fraqueza,
contudo, foi banida pelo orgulho que dominava o seu
coração. Começou então a planejar algo terrível, para
humilhar e ferir o príncipe, fazendo-o sofrer ainda mais.Com
escárnio disse-lhe:
- O cetro de Salém poderá ser seu, se você conseguir pagarme
o preço de seu resgate.
Com um brilho nos olhos, o príncipe perguntou-lhe:
- Qual é o preço?
Samael, com um sorriso maldoso, respondeu-lhe
pausadamente:
- O preço não é ouro nem prata, mas dor e sangue. Você
deverá despir-se completamente de suas vestes, deitando-se
ao chão. Deverá suportar nessa condição, espancamentos,
até que o sol se ponha. Se você estiver disposto a submeterme,
sem reagir, o cetro será inteiramente seu.
Estremecido ante tão cruel proposta, o filho de Adonias olhou
para o sol que pairava distante sobre uma nuvem. Passou a
travar em seu coração uma luta intensa. A princípio, o horror
do sacrifício quase o dominou, levando-o recuar, mas o
pensamento de ver Salém escravizada pela rebeldia, levou-o
finalmente à decisão de pagar o preço do resgate,
entregando-se ao humilhante sofrimento.
Tendo tomado a firme decisão de resgatar o cetro, o príncipe,
tirou as vestes, colocando-as sobre uma pedra. Deitou-se em
seguida naquele solo frio, com a fronte voltada para o poente.
Impiedosamente, Samael começou a espancá-lo, fazendo
uso do próprio cetro como instrumento de tortura. Gemendo
pela dor dos golpes que o faziam sangrar, o príncipe
mantinha o olhar fixo no sol que parecia deter-se sobre a
nuvem. Atordoado pela dor, contemplou finalmente o sol
prestes a se pôr. Alentado pela vitória que se
aproximava,murmura baixinho:
- Salém, Salém, daqui a pouco terei em meus braços o teu
cetro precioso que, em minhas mãos, tornar-se-á num
instrumento de justiça e paz.
Ouvindo a promessa do príncipe feita por entre gemidos,
Samael bradou-lhe com fúria:
- O teu sofrimento não trará nenhum alvorecer para Salém
,pois tuas mãos jamais serão capazes de tocar no cetro.
Depois de fazer essa afronta, Samael apossou-se de uma
pedra pontuda, preparando-se para desferir os últimos
golpes.
Enquanto pensava sobre a feliz vitória de Salém,
Melquisedeque sentiu seu braço direito sendo comprimido
pelos pés de Samael. Seguiu a esse rude gesto um golpe que
o fez contorcer-se em agonia. Sua mão fora vazada
cruelmente, passando a jorrar abundante sangue da ferida
aberta. Essa mesma violência foi descarregada logo depois
sobre sua mão esquerda.
Não suportando a agonia causada por esses derradeiros
golpes, o filho de Adonias, ensangüentado, mergulhou nas
trevas de um profundo desmaio.

A História de Salém
Capitulo IX

Ao cessar de golpear o príncipe, o súdito rebelde ficou
possuído por um estranho horror ao contemplar na face
daquele que somente lhe fizera o bem, o torpor da morte.
Procurava não recordar o passado, mas, irresistente, sentia
ser arrastado aos dias de sua feliz inocência em Salém.
Revestido de ricas vestes estava sempre ao lado do príncipe
que, com dedicação, ensinava-lhe a cada dia suas canções
que falavam de paz.
Nas indesejadas lembranças pelas quais era arrastado,
reviveu seus primeiros passos no caminho do orgulho e do
egoísmo. Lembrou-se dos incessantes conselhos e rogos
daquele que fora seu melhor amigo, para que desistisse
daquele caminho que poderia conduzi-lo à infelicidade.
Depois de ser arrastado em lembranças por todo aquele
passado de felicidade destruída por sua culpa, Samael teve
consciência de sua ingratidão. Horrorizado pelo que fizera,
curvou-se sobre o corpo ensangüentado de Melquisedeque, e
desesperou-se ao vê-lo sem vida. Não suportando o peso da
grande culpa, deixou às pressas aquele lugar, desejando
ocultar-se distante, sob as trevas da fria noite.
Depois de um profundo desmaio, o príncipe começou a voltar
à consciência; Em delírios que o transportavam ao seio de
sua amada Salém, ele revivia momentos vividos e sonhados:
Com alegria contemplava a face de seu maior amigo, para
quem estendeu a mão com um sorriso. Mas seu gesto foi
frustrado por uma profunda dor. Em meio aos aplausos dos
súditos vitoriosos, recebe de seu pai o cetro, mas ao tocá-lo,
sente uma irresistível dor em suas mãos.
Com esses sonhos frustrados pela dor, Melquisedeque
despertou para a realidade. Estava nu, ferido e solitário, em
um lugar perigoso, longe do abrigo e carinho de Salém. Mais
doloroso era pensar que tudo aquilo fora a retribuição de
alguém que fora o alvo principal de todas as dádivas de seu
amor.
O príncipe, sem poder mover-se, considerando a grande
traição passou a chorar sem consolo. Lamentava não por sua
dor, mas pela perdição daqueles que haviam trocado o
carinho e a justiça de Salém pelo desprezo e ódio que os
reduziriam finalmente a cinzas sobre aquele vale condenado.
Através das lágrimas, o príncipe contemplava o céu que,
semelhante a um manto tinto de sangue, estendia-se
banhado na luz do sol poente. Lembrou-se então do alaúde
pelo qual pagara tão alto preço. Onde estaria ele?
Em sua desesperada fuga, Samael deixara o cetro
abandonado junto ao corpo ferido de Melquisedeque. Quando
ele o viu, esqueceu-se de toda a dor, e abraçou-o com suas
mãos feridas. Acariciando-lhe o bojo arruinado, disse-lhe com
um sorriso:
- Você é meu novamente. Eu o comprei com o meu sangue".
Samael que, dominado pelo estranho horror, fugira após
cometer o horrível crime, deteve-se a um passo do portão de
Sodoma. Ali, impulsionado pelo orgulho, arrependeu-se com
indignação de sua fraqueza. Por que fugira depois de
conquistar tão grande vitória? Não era seu plano destruir o
reino de Salém, para estabelecer seu próprio reino?
Lembrando-se do cetro, decidiu retornar para tomá-lo. Por
que o deixara abandonado junto ao cadáver daquele odiado
príncipe?
Reunindo suas poucas forças, Melquisedeque dirigiu-se
tropegamente ao lugar em que deixara suas vestes.
Depois de vestir-se, tendo junto ao peito o cetro amado, o
filho de Adonias, com profunda emoção fez um juramento
antes de deixar aquele lugar de seu sofrimento. Acariciando o
cetro diz-lhe:
- Meu querido cetro, você foi criado como um emblema da
harmonia que procede da justiça e do amor. Toda a glória de
Salém repousava sobre você quando a rebeldia em sua
ingratidão escravizou-o, arrastando-o para este vale hostil.
Aqui você foi ferido e humilhado, vindo a tornar-se um
instrumento de impiedade nas mãos do tirano. Eu, porém, o
redimi com o meu sangue. Agora nossas feridas serão
restauradas, e em breve seremos entronizados em meio aos
louvores de uma Salém vitoriosa. Quando esse sonho se
concretizar, testemunharemos juntos o fim daqueles que se
levantaram contra nós para nos ferir. Samael e seus
seguidores serão devorados pelo fogo que reduzirá às cinzas
Sodoma e Gomorra.
Concluindo seu solene juramento ,o jovem príncipe, já oculto
pelas trevas da noite e deixou aquela colina, e sobre ela as
marcas de seu sofrimento.
Desde que o filho do rei partira, prometendo retornar com o
cetro, Salém vivia momentos de indizível anseio. Em pranto,
o rei e os súditos remanescentes lembravam-se de todo
aquele feliz passado desfeito pela ingratidão dos rebeldes. O
que mais lhes torturava era a ausência do príncipe e do cetro,
sem os quais todo o brilho daquele reino de paz se ofuscaria.
Desejando consolar o coração de seus súditos,
Melquisedeque avançava em meio à noite rumo aos montes
que cercavam Salém. Ainda que enfraquecido e ferido,
prosseguia em sua marcha ascendente, esperando alcançar
sua pátria pela manhã.
Aquela longa e escura noite foi finalmente vencida pelos raios
do alvorecer. Em Salém a esperança em rever
Melquisedeque com o seu cetro estava quase banida quando,
ao olharem para o Monte das Oliveiras, viram-no descendo
pelo caminho do Getsêmani. Quando o encontraram no
profundo vale de Cedrom, ficaram assustados com sua
aparência: sua face estava pálida e seu manto encharcado de
sangue. Mesmo assim, ele sorria expressando grande
alegria.
Ao perguntarem-no sobre o porque daquelas marcas de
sangue, Melquisedeque retirou de sob o manto suas mãos
feridas, revelando-lhes entre elas o cetro redimido.
Depois de contar-lhes os passos que o levaram ao resgate do
cetro, os súditos, emudecidos, prostraram-se reverentes aos
seus pés, aclamando-o como seu redentor e rei.
Em meio aos louvores das hostes redimidas, o príncipe foi
introduzido no palácio real, onde sob os cuidados de seu
amoroso pai, deveria restabelecer-se de seu sofrimento. O
cetro desfigurado, agora mais precioso, seria também
restaurado, devendo tornar-se mais belo que antes.
O dia da coroação foi fixado para o próximo Yom Kipur.
Naquele dia, Melquisedeque selaria com o cetro restaurado o
triunfo de todos os fiéis, bem como a condenação dos
rebeldes.

A História de Salém
Capitulo X

Poucos instantes após a saída de Melquisedeque, Samael
chegara ao local onde o deixara aparentemente sem vida, ao
lado do alaúde. Sem entender aquele misterioso
desaparecimento, ele prosseguiu para Gomorra, onde seus
seguidores o esperavam. a Ao vê-los, proclamou sua "vitória"
sobre o odiado príncipe e sobre o cetro, os quais massacrara
em Sodoma, não restando aos seguidores do pergaminho
nenhuma esperança.
Suas palavras agradaram a turba rebelde, que passou a
comemorar a "conquista" entregando-se à orgia. Zombavam
agora da justiça e do amor, exaltando a Samael como rei
vitorioso.
Obteriam agora armas, com o propósito de avançarem sobre
Salém, desferindo-lhe o último golpe; Juntaram-se a eles em
seu maléfico propósito, muitos criminosos que foram
recebidos como mestres no manejo de arcos e flechas.
Em sua loucura, Samael ordenou o banimento de todo
calendário, pois em seu reino de "liberdade" não estariam
sujeitos a nenhum cômputo de tempo. As leis da moralidade
foram também banidas, surgindo com isso um completo caos.
Essa desordem, revelou-se de maneira mais patente no
barulho estridente e cacofônico, ao qual proclamaram como a
nova música.
Dominados pelo egoísmo, Samael e seus seguidores
alimentavam-se de ilusões, inconscientes de que seus dias
estavam contados. Os frutos da rebelião não tardariam em
atrair sobre eles o fogo da destruição.
Dividindo seus seguidores em pequenos grupos, Samael
passou a comandá-los em atos violentos que aterrorizavam
os moradores das planícies; Por esse tempo, eles
escondiam-se nas cavernas situadas próximas ao mar
salgado.
O respeito e o medo dos guerrilheiros de Samael, levou
finalmente os reis de quatro cidades a procurarem-no,
propondo alianças de paz. Eram eles: Bara, rei de Sodoma,
Bersa, rei de Gomorra, Senaab, rei de Adama, Semeber, rei
de Seboim e Segor, o rei de Bela. Por essa época, esses reis
pagavam tributos a Cordolaomor, rei de Elam que,
acompanhado pelos exércitos de quatro outras cidades, os
haviam subjugado no vale de Sidim junto ao mar salgado.
Fortalecido pelas alianças, Samael tornou-se mais ousado
em suas investidas, levando o terror e a destruição aos
territórios de cidades distantes. Os exércitos de Cordolaomor
e seus aliados que retornavam nesses dias de outras
conquistas, enfurecidos pelas provocações de Samael,
marcharam contra os quatro reis, vencendo-os novamente no
vale de Sidim. Foi nessa ocasião que levaram cativos os
habitantes de Sodoma, entre os quais encontrava-se o meu
sobrinho Ló.
Acovardados diante do furor dos cinco reis, Samael e seus
seguidores esconderam-se em suas cavernas, ao norte do
mar salgado.

A História de Salém
Capitulo XI

Os doze meses contados a partir do grande sacrifício
estavam prestes a terminar. O cetro, totalmente restaurado,
resplandecia em seu estojo, enquanto o príncipe, igualmente
restabelecido das feridas causadas pela rebeldia, alegrava-se
ao ver chegar o Yom Kipur de sua coroação. Enquanto isso,
ele compunha lindas canções que expressavam o seu amor
por Salém.
Naqueles doze meses, a cidade da paz tornara-se mais bela,
sendo adornada qual noiva para o grandioso dia da coroação.
À uma semana para o Yom Kipur, Samael, totalmente
inconsciente de que o dia de seu julgamento se aproximava,
reuniu os seus seguidores, anunciando-lhes que a próxima
missão seria a conquista de Salém. Antes de avançarem,
contudo, ele subiria sozinho para verificar os pontos
vulneráveis da cidade.
Depois de ser aplaudido pela turba, Samael partiu em sua
missão de reconhecimento. Enquanto avançava sozinho,
procurava não lembrar-se daqueles momentos que
trouxeram-lhe terror pela culpa, mas, dominado por uma força
superior, foi arrastado em suas lembranças para aquele
monte da cruel tortura.
Todo o seu passado começou a vir-lhe à lembrança, como
um peso esmagador.
Quando despertou-se de suas lembranças das quais não
conseguiu fugir, já era noite. A escuridão que o envolvia
pareceu-lhe o prenúncio de um triste fim. Esse desânimo,
contudo, procurou bani-lo com a lembrança do exército que o
esperava, pronto para cumprir suas ordens, na conquista de
Salém, onde não haveria lembranças daquele pergaminho.
O alvorecer o alcançou próximo de Salém. Ao avistar o monte
das Oliveiras, veio-lhe à lembrança a última vez que o
transpôs, deixando para trás a cidade vencida. Quantas
noites haviam passado desde então? Ele perdera a noção de
tempo, não sabendo que justamente doze meses haviam se
passado. Não podia imaginar que, raiava naquela manhã o
Yom Kipur, o dia de seu julgamento.
Ao chegar ao topo do monte das Oliveiras naquela manhã,
Samael surpreendeu-se ao ver que a cidade tornara-se mais
bonita que outrora; Toda ela estava adornada de ramos e
flores, como uma donzela à espera de seu noivo. Contudo,
Salém estava abandonada, não havendo nenhum sinal de
vida em todas as suas mansões. Isto o fez concluir que os
golpes que haviam aniquilado o príncipe e o cetro, trouxeram
como conseqüência todo aquele abandono. Ele não sabia,
contudo, que naquele momento todos os remanescentes
daquele reino, encontravam-se ocultos no grande salão do
palácio, aguardando pelo momento mais glorioso, da
coroação de Melquisedeque.
Imaginando-se exaltado sobre o trono abandonado, tendo a
seus pés os exércitos vitoriosos, o rebelde penetrou na
cidade, dirigindo-se apressadamente ao palácio. Ao transpor
o portal principal que dá entrada ao salão principal, ficou
surpreso ao ver ali reunidos uma multidão de fiéis. Sobre um
áureo tablado, enfeitado de flores talhadas em pedras
preciosas, encontra-se o trono vazio. Na base do trono estava
o pergaminho das leis, uma coroa de ouro cheia de pedras
preciosas e o estojo que deixara vazio naquela noite de
traição. Sem entender o enigma, Samael escondeu-se por
trás de uma coluna, temendo ser reconhecido, e ficou
observando.
Os súditos, com expressão de feliz expectativa olhavam para
o trono vazio. Onde encontravam eles motivos para toda essa
alegria, se haviam perdido o seu rei juntamente com o cetro?
Samael questionava sobre esse mistério, quando Adonias,
aplaudido pelos súditos, encaminhou-se para junto do
trono.Com voz cheia de emoção pela vitória, o fundador de
Salém anunciou que havia chegado o momento tão sonhado
da coroação. Um brado de triunfo ecoou pelos ares quando,
anunciado pelo seu pai, entrou o amado príncipe
encaminhando-se em direção do trono. Ao vê-lo coberto por
um manto de glória, Samael ficou possuído por um terrível
pavor, e procurou fugir. Descobriu, contudo, que todos os
portais do grande salão estavam fechados por fora.
Teve início a cerimônia da coroação. Era um momento
deveras solene. Adonias, num gesto reverente, tomou a rica
coroa, colocando-a na fronte de seu filho. Prostrando-se
depois sobre o estojo, abriu-o cuidadosamente, tirando dele o
alaúde restaurado, cuja beleza e brilho eram muito superiores
à sua primeira condição, ao sair das mãos de Adonias o seu
luthier. Assentando-se no trono em meio às aclamações dos
súditos, Melquisedeque passou a dedilhar o cetro, tirando
dele acordes de muita harmonia e paz. Todos se aquietaram
para ouvirem suas novas composições que expressavam o
seu profundo amor pelo cetro e por todo aquele reino de paz.
Grande emoção invadia o coração de todos naquele
momento, levando-os às lágrimas. Samael, sem forças para
reagir, sentia-se torturado por aqueles acordes que
torturavam faziam reviver em sua mente suas oportunidades
perdidas, numa terrível tortura para sua consciência.
Melquisedeque compusera para aquele momento especial,
canções que retratavam os momentos mais marcantes da
história de Salém; Quando passou a cantar sobre a amizade
que tinha por Samael, sua voz embargava-se pelas lágrimas
que não conseguia conter. Triste para ele era cantar sobre a
queda daquele que era-lhe o maior amigo! Cantou então
sobre o alto preço que teve de pagar pela reconquista do
cetro, que representa a honra de Salém.
Ao contemplarem aquelas mãos marcadas pelas cicatrizes,
tocando com tanta maestria e carinho o cetro restaurado, os
súditos tomados por forte emoção, prostraram-se em pranto.
Ao ver nas nãos de Melquisedeque aquele alaúde que, em
suas mãos fora instrumento de tortura, Samael compreendeu,
tarde demais o quanto errara, desviando-se dos conselhos do
príncipe; Quantas vezes aquelas mãos sobre as quais
descarregara toda aquela violência haviam sido estendidas
num esforço de salvá-lo, e ele as havia negligenciado. Agora,
era tarde demais! Tarde demais!!!

A História de Salém
Capitulo XII

Os súditos triunfantes que, reverentes, haviam sido
conduzidos a todo aquele passado de felicidade, traição, dor
e triunfo, uniram finalmente as vozes numa jubilosa
proclamação:
Verdadeiros e justos são os teus princípios, ó rei de Salém.
Digno és de reinar em glória e majestade entre os louvores
de teus fiéis, porque em teu sacrifício nos livraste das
ameaças das trevas, fazendo renascer em nosso coração a
alegria do alvorecer.
Esse cântico de exaltação foi seguido pela cerimônia de
confirmação de todos os fiéis em sua vitória. O filho de
Adonias, com o seu cetro redimido, passou a selar com um
toque especial do cetro, a vitória de cada um. Formou-se para
tanto uma longa fila de fiéis exultantes.
Os súditos confirmados, à medida em que iam recebendo o
toque de aprovação do rei, posicionavam-se ao lado direito
do trono, onde permaneciam aguardando pela confirmação
dos outros.
Os olhares que, iluminados de alegria, haviam acompanhado
o selamento dos últimos justos, pousaram sobre a figura
estranha de Samael que, dominado por uma força irresistível,
encaminhava-se cabisbaixo em direção do trono. Seu
aspecto era horrível: seu semblante havia sido deformado
pelo mal; suas vestes estavam sujas e mal cheirosas; tudo
nele repugnava, ao ponto de ninguém reconhecê-lo.
Em meio ao espanto dos súditos, Melquisedeque ergueu-se
de seu trono como que ferido por uma grande dor; De seus
lábios os súditos ouvem uma dolorosa exclamação:
- Samael, Samael!!!
A figura deplorável daquele que fora tão belo, encheu a todos
de tristeza, e começaram a prantear. Eles lamentavam por
saber que o destino de Samael e de todos aqueles que o
seguiram, poderia ter sido muito diferente, se eles houvessem
atendido aos rogos de amor de Adonias e de seu filho. Não
era o plano do rei e o sonho de Melquisedeque tê-lo como o
guardião do pergaminho, sendo o segundo em honra naquele
reino?
Samael que, reconhecendo sua desventura, aproximara-se
cabisbaixo do trono, ao presenciar toda aquela lamentação, é
novamente iludido pelo orgulho, julgando tratar-se de uma
demonstração de fraqueza de seus inimigos. A lembrança de
seu exército que fortalecido o aguarda na planície, ilude-o
com a certeza de que será vitorioso sobre Salém.Com esse
pensamento, ergue a fronte marcada pelo ódio e, fitando o
rei, levanta o punho cerrado e o desafia, desdenhando de sua
autoridade, com a ameaça de tomar-lhe o trono.
Ainda que condoídos por sua perdição, os súditos de Salém
não suportaram a ousada afronta daquele enlouquecido
jovem que, depois de causar tanto sofrimento, ainda era
capaz de erguer-se com tamanho desafio.
O vitorioso rei que com tanto prazer selara com o seu cetro a
conquista dos fiéis, ergueu-o dolorosamente para o
selamento da triste sorte dos rebeldes. Imobilizado por uma
força estranha, Samael, sem desviar os olhos do cetro, ouviu
dos lábios do rei a proclamação de seu julgamento e de todos
os seguidores:
Prisioneiros de uma força invisível, ficariam retidos em suas
cavernas por seis anos, sendo depois visitados pelo fogo do
juízo que os destruiria juntamente com as cidades que a eles
se aliaram.

A História de Salém
Capitulo XIII

Ao ir para a cama depois daquele dia de tantas emoções, o
jovem rei, imerso nas lembranças daquele passado de
felicidade e dor, rolava em sua cama insone. Quando
finalmente adormeceu, teve um sonho muito significativo.
No sonho, apareceu-lhe um anjo luminoso, que saudou-o
com um sorriso, dizendo-lhe que todo o Universo
acompanhava com atenção todo aquele drama que estavam
vivendo, que o mesmo tinha um sentido prefigurativo,
retratando acontecimentos passados e futuros, que envolvia
todo o vasto universo.
As palavras do anjo despertaram em Melquisedeque um
grande desejo de conhecer a história desse drama cósmico.
Conhecendo o seu anseio, o anjo arrebatou-o no sonho
revelando-lhe um distante futuro. Diante de seus olhos
manifestaram-se as glórias de uma nova e esplêndida Salém,
cujas muralhas e mansões eram feitas de pedras preciosas;
Os portais da cidade eram de pérolas. Suas amplas avenidas
eram de ouro puro. A cidade era quadrangular e se estendia
por centenas de quilômetros. Estava dividida em dois setores
distintos: Norte e Sul. Ao Sul elevavam-se incontáveis
mansões, habitações eternas de anjos e de seres humanos
redimidos; Ao Norte havia um lindo paraíso ao qual o anjo
revelou ser o jardim do Éden. Ali, em ambas as margens do
rio da vida, havia campos repletos de todo tipo de vegetação,
com flores e frutos em abundância. Viviam ali em perfeita
harmonia, todas as espécies de insetos, aves e animais.
No meio do paraíso podia-se ver uma montanha fulgurante, a
qual o anjo afirmou ser o monte Sião, o lugar do trono de
Deus. Era daquele monte que emanava o rio da vida, fluindo
por toda a cidade.
Quando alcançaram o topo da montanha sagrada, o rei de
Salém ficou deslumbrado com o cenário visto ao seu redor.
Encontrava-se na parte mais elevada de Sião a mais linda de
todas as edificações revelado pelo anjo como o palácio de
Deus. Aquela magnífica construção era sustentada por sete
colunas, todas de ouro transparente, engastadas de lindas
pérolas. Ao redor do palácio, floresciam a mais exuberante
vegetação: havia ali o pinheiro, o cipreste, a oliveira, a murta,
a romãzeira e a figueira, curvada ao peso de seus figos
maduros.
Enquanto admirava-se ante a beleza daquele lugar, o anjo
disse-lhe que a nenhum ser humano fora dado o privilégio de
ver o interior daquele palácio de Deus. A ele seria dada esta
honra, pois fora escolhido para ser o portador das mais
amplas revelações sobre o reino da luz.
Ao transporem com reverência um dos portais de pérolas,
prostraram-se em adoração, enquanto ouviam o cântico de
uma multidão de serafins, que circundavam o trono, em
constante louvor Àquele que Era, que É e que Sempre Será.
Ao olhar para Aquele que estava assentado sobre o trono,
Melquisedeque ficou surpreso ao descobrir a figura de um
homem. Ele estava coberto por um manto de linho fino, de
uma alvura sem igual, e tinha sobre a cabeça uma coroa
formada por sete coroas sobrepostas, repletas de pedras
preciosas.
Ao olhar para as mãos que sustentavam o cetro, o filho de
Adonias ficou surpreso ao descobrir nelas cicatrizes de
ferimentos, semelhantes àquelas em suas mãos. O anjo
afirmou-lhe ser o Messias, a manifestação visível de Yahwéh,
o Deus Invisível.
Atraído para o cetro resplandecente, com o qual o Messias
governava sobre todo o Universo, o rei de Salém viu nele o
selo do domínio, e nele escrito o nome: Israel.
Tomado por profunda emoção, Melquisedeque prostrou-se
ante o Rei daquela eterna Salém, e, revivendo ali a história
de sua pequena cidade, teve desejo de conhecer o grande
drama da história universal. Conhecendo o desejo de seu
coração, o anjo disse-lhe:
- Agora lhe farei conhecer a história desta gloriosa Salém.
Tudo o que lhe for mostrado na visão, você deverá registrar
fielmente em seis pergaminhos que serão costurados um ao
outro, formando um único rolo. Você terá seis anos para
escrevê-los. Ao fim dos sete anos, você receberá das mãos
de um ancião um vaso contendo um rolo especial, com
muitas revelações importantes, destacando-se a história de
Salém. Você tomará esse rolo, e o costurará como o primeiro
dos sete, formando um único rolo. Depois de selá-lo, você e o
ancião o guardarão no vaso, levando-o para uma caverna
que eu lhes mostrarei ao norte do mar salgado, onde
permanecerá esquecido até que chegue os últimos dias,
quando será resgatado e revelado ao mundo por meio de um
pequeno beduíno.
Depois de falar ao rei de Salém estas palavras, o anjo
conduziu-o em visão a um infinito passado, quando o
Universo ainda não existia.
Uma história muito parecida com a de Salém passou a
desdobrar-se diante de seus olhos; porém, numa dimensão
infinitamente maior, começando pela criação do reino da
luz.Com admiração contemplou a formação de bilhões de
mundos e estrelas, repletos de vida e felicidade que
passaram a girar em torno da Salém Celeste, o paraíso de
Deus.
Sua atenção voltou-se depois para o mais belo de todos os
querubins que, honrado pelo Criador, passou a residir com
Ele em Seu palácio. Uma eternidade de felicidade e paz
parecia embalar aquele reino, quando a mesma experiência
de egoísmo e rebeldia vivida por Samael, começou a repetirse
na vida daquele anjo amado.
Cenas de uma grande rebelião começaram a ser mostradas a
Melquisedeque, envolvendo todos os habitantes do Universo.
O querubim honrado, semelhante a Samael, seduzira um
terço das hostes que, passaram a reverenciá-lo como rei.
Em meio às cenas daquele grande conflito, o rei de Salém
testemunhou a criação do planeta Terra, sobre a qual surgiu
o homem como cetro racional daquele reino disputado.
Com agonia viu o momento em que o chefe da rebelião
aproximou-se sutilmente do paraíso, apossando-se do ser
humano, depois de seduzi-lo com tentações. Ouviu então o
seu brado, numa proclamação de vitória. A partir daquele
momento, o inimigo de Deus passou a arruinar o ser humano,
apagando nele todos os traços da glória divina, como Samael
fizera com o cetro.
A sua própria experiência, ao declarar naquela manhã aos
súditos de Salém sua decisão de ir em busca do cetro
perdido, começou a repetir-se diante de Seus olhos.
Reunindo as hostes que haviam permanecido fiéis ao Seu
governo, o Criador passou a revelar um plano de resgate: Ele
haveria de ir em busca do homem, e o remiria, ainda que isto
lhe custasse infinito sacrifício. Diante desta revelação, o filho
de Adonias prostrou-se comovido, ao descobrir que em sua
vida tivera a honra de retratara o próprio Messias.
Todo o drama vivido pelo filho de Adonias em sua
angustiante busca, até o momento de seu suplício pela
redenção do cetro, foi ganhando amplitude naquela visão que
abarcava toda uma eternidade. Diante de seus olhos
desfilavam cenas de uma grande batalha que, sem trégua se
estenderia até o dia do juízo final, quando o Messias vitorioso
empunhará o cetro redimido, selando com ele a condenação
de todas as hostes rebeldes.

A História de Salém
Capitulo XIV

Através das revelações recebidas do anjo, Melquisedeque
tomou conhecimento do grande livramento alcançado dez
dias antes de sua coroação, em Rosh Hashaná, quando
diante de trezentos pastores com seus vasos incendiados,
exércitos de cinco reis tombaram, saindo livres os cativos.
Conhecendo nossa intenção de subir à Salém por ocasião de
Sukot, o rei fez preparativos para uma grande festa, na qual
comemoraríamos juntos a vitória sobre toda a desarmonia
gerada pelo orgulho e pelo egoísmo.
Foi por isso que ao chegarmos a Salém, ficamos surpresos
com toda aquela honrada recepção.
Ocupar-me com o relato de todos esses acontecimentos, fezme
passar por todo este sétimo ano, quase sem notar os
seus dias, que passaram velozes. Estamos hoje às portas de
um novo Rosh Hashanah, quando os 300 pastores tocarão os
chifres, convocando todos aqueles que possuem as pérolas,
para a reunião solene de Yom Kipur. Cinco dias depois
seremos recebidos em Salém para a festa de Sukot.
A certeza de que acontecimentos importantes ainda deverão
ser relatados até o momento em que o vaso será deixado na
caverna, fez-me reservar um espaço no rolo, no qual
registrarei, dia após dia, os fatos, até a consumação desta
história.
Hoje é Rosh Hashaná, o dia mais feliz de minha vida, pois
meus braços puderam envolver finalmente o filho da
promessa. A primeira coisa que Sara fez ao recebê-lo, foi
colocar-lhe em sua mãozinha direita a segunda pérola que o
Messias lhe dera no dia de sua conversão, na qual estava
escrito nome Isaque que significa "riso", o nome de
Melquisedeque e o nome de Salém.
Dois dias antes do Yom Kipur, Isaque foi circuncidado,
conforme a ordem de Yahwéh.
Desde que os pastores começaram a tocar seus chifres em
Rosh Hashanah, todos aqueles que possuíam pérolas do
vaso, deixaram suas tendas, dirigindo-se em pequenos
grupos, para junto do Carvalho de Mambré.
Ao chegar o Yom Kipur, o dia da reunião solene, meus
pastores informaram-me que todos que aqueles que haviam
recebido pérolas, haviam comparecido ao encontro, não
faltando nenhuma pessoa. Era maravilhoso ver a alegria
estampada no semblante de toda aquela multidão, que
ansiava pela subida à Salém. Todos tinham uma história para
contar, de como foram mal compreendidos e humilhados por
aqueles que não receberam a salvação representada pelas
pérolas. O único consolo que tinham naquele tempo, vinha da
certeza de que subiriam a Salém para a festa de Sukot.
No primeiro dia da festa de Sukot, a multidão foi subdividida
pequenos grupos de doze pessoas, para subirmos em ordem
à Salém.
Tendo o vaso com o rolo em minhas costas, posicionei-me à
frente da multidão, sendo seguido por Sara e Isaque, que
vinham montados num camelo; Logo atrás vinha Ló e suas
filhas; um pouco atrás, os trezentos pastores seguidos por
todos os fiéis.
Iniciávamos nossa escalada quando, acompanhado por todos
os seus súditos, surgiu Melquisedeque vindo ao nosso
encontro, fazendo vibrar pelos ares o som festivo de muitos
instrumentos musicais, comemorando a grande vitória.
Depois de saudar-nos, o filho de Adonias conduziu-nos numa
marcha festiva até adentrarmos os portais de Salém, que
encontra-se agora mais bonita que outrora.
Diante do trono, todos os remidos foram coroados por
Melquisedeque,começando em seguida o grande banquete.
Grande foi a alegria do rei de Salém quando entreguei-lhe o
vaso com o meu manuscrito. Levando-me para uma sala
especial do palácio, ele mostrou-me os seis manuscritos nos
quais registrara a história do Universo, segundo fora-lhe
mostrada em sonho.
Ao receber o meu manuscrito, ele o costurou aos demais,
vindo a ser o primeiro do grande rolo.
No último dia da festa de Sukot, o rolo foi aberto diante de
toda a multidão de fiéis. Depois de ler uma boa parte do meu
manuscrito, o filho de Adonias, tomando em seus braços o
pequeno Isaque, afirmou:
- Na descendência desta criança haverá de cumprir-se todas
as coisas escritas neste manuscrito.
Tendo dito isto, o rei o abençoou, devolvendo-o à Sara.
Depois de abençoar Isaque, Melquisedeque passou a falar
sobre o futuro do rolo que permaneceria por quase quatro
milênios ocultos em uma caverna, sendo finalmente
encontrado por um beduíno da tribo de Taamireh. Ao sair de
sua caverna, o rolo enfrentaria a oposição de muitos eruditos
que o declarariam apócrifo. Viria, contudo, o momento, em
que suas revelações seriam confirmadas, e muitos seriam
transformados pelas suas mensagens, preparando-se para o
dia do juízo final.

Fim da Segunda Parte.

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